Section 9 Autovalores e autovetores
Temos visto que, muitas vezes, é mais fácil compreender uma transformação linear em uma base adaptada para o problema em questão. Todavia encontrar uma base natural para o problema nem sempre é fácil. Nesse capítulo vamos nos ocupar com o problema no outro sentido: se temos uma transformação linear (representada por uma matriz na base canônica, por exemplo), quais são as direções mais naturais a se escolher para uma base?
Responderemos a essa pergunta passa por entender quais direções a transformação linear é mais simples, tendo o efeito de apenas multiplicar vetores naquela direção por uma constante. A constante pela qual o vetor é multiplicado é chamada de autovalor e a direção é chamada de autovetor. Veremos que as rotações também serão incluídas nesse caso naturalmente, com autovalores complexos.
Subsection 9.1 Autovalores e autovetores
Definition 9.1.
Seja \(A\) uma matriz \(n \times n\text{.}\) Um número (real ou complexo) \(\lambda\) é dito um autovalor de \(A\) se existe um vetor não nulo \(\vec{x}\) tal que \(A\vec{x} = \lambda \vec{x}\text{.}\) \(\vec{x}\) é dito um autovetor associado ao autovalor \(\lambda\text{.}\)
Example 9.2.
Nesse exemplo os autovalores e autovetores foram dados, mas como fazemos para encontrar os autovalores de uma matriz qualquer? A observação a seguir nos dá um método para isso.
Remark 9.3.
Se existe um vetor não nulo \(\vec{x}\) tal que \(A\vec{x} = \lambda \vec{x}\text{,}\) temos que \(A\vec{x} - \lambda \vec{x} = \vec{0}\) e, portanto, \((A - \lambda I) \vec{x} = \vec{0}\text{,}\) ou seja, essa equação tem solução não nula e a matriz \((A - \lambda I)\) não é inversível. Desse modo, encontrar autovalores é descobrir para que escalares temos \(Det(A - \lambda I) = 0\text{.}\) O polinômio \(p(\lambda) = Det(A - \lambda I)\) é chamado de polinômio característico e os autovalores são as raízes desse polinômio. Uma vez encontrados os autovalores, resolvemos o sistema \((A - \lambda I) \vec{x} = \vec{0}\) para cada autovalor encontrado para determinar os autovetores associados a cada autovalor.Example 9.4.
Checkpoint 9.5.
Confira a sua resposta com o código abaixo.
Remark 9.6.
Podemos pensar na matriz \(A\) como uma transformação linear da base canônica para a base canônica. Se representarmos essa transformação linear na base de autovetores (supondo que exista uma), temos que ela será representada por uma matriz diagonal, com os autovalores na diagonal. Desse modo temos que:Infelizmente nem sempre é possível encontrar uma base de autovetores para uma matriz.
Checkpoint 9.7.
O código abaixo pode ser utilizado para verificar se o produto das matrizes encontradas retorna a matriz original.
Esse processo é particularmente útil quando precisamos aplicar uma transformação linear multiplas vezes, pois
e, para uma matriz diagonal,
Checkpoint 9.8.
Subsection 9.2 Resultados e dificuldades relacionados a autovetores e autovalores.
Nessa seção discutimos quando é possível diagonalizar uma matriz e quais as opções quando isso não é possível.
Theorem 9.9.
Seja \(A\) uma matriz \(n \times n\text{.}\) Autovetores associados a autovalores distintos são linearmente independentes.Proof.
O Theorem 9.9 garante que se o polinômio característico tem \(n\) raízes distintas, teremos \(n\) autovetores LI. Todavia esses autovalores e autovetores ainda podem ser complexos, o que pode não permite diagonalizar a matriz, se buscamos uma matriz real.
Theorem 9.10. .
Seja \(A\) uma matriz real 1 \(n \times n\) simétrica. Então, seus autovalores e autovetores são reais e a matriz \(A\) tem \(n\) autovetores distintos. Além disso, \(A\) admite uma base de autovetores ortonormais.Proof.
Isso significa que uma matriz simétrica sempre é diagonalizável (A matriz \(P\) é a matriz de mudança de base da base de autovetores para a base canônica). Se uma matriz não é simétrica essa pode não ser a situação.
Remark 9.11.
Para analisar o que ocorre no caso de autovalores múltiplos, precisamos de números complexos e recorro a um resultado de variável complexa, que diz que um polinômio real ou complexo de grau \(n\) sempre pode ser decomposto no produto de monômios de grau \(n\text{.}\) Em particularDefinition 9.12.
Seja \(p(\lambda)\) o polinômio característico de uma matriz real \(A\text{,}\) \(n \times n \text{.}\) O número de vezes que um autovalor aparece na decomposição no produto de monômios de \(p(\lambda)\) é chamada de multiplicidade algébrica desse autovalor. A dimensão do espaço nulo de \(A - \lambda_k I\text{,}\) \(N(A - \lambda_k I)\) é a multiplicidade geométrica do autovalor \(\lambda_k\text{.}\)
Example 9.13.
Example 9.14.
Uma matriz real é diagonalizável exatamente quando tem autovalores reais e a multiplicidade geométrica é igual a multiplicidade algébrica para cada autovalor.
Example 9.15.
Se uma matriz \(A\) tem autovalores complexos, então não é possível colocá-la na forma diagonal usual utilizando matrizes reais. Todavia os autovalores complexos sempre vem em pares conjugados \(\lambda_k, \overline{\lambda}_k\text{,}\) com autovetores complexos \(\vec{x}_k, \overline{\vec{x}}_k\text{.}\) Vejamos em detalhe o que ocorre com as partes reais e complexas do autovetor \(\vec{x}_k = \mbox{Re}(\vec{x}_k) + i \mbox{Im}(\vec{x}_k)\) associado ao autovalor \(\lambda_k = r \mbox{cos} (\theta) + i r \mbox{sen} (\theta)\) (escrito na forma polar)
.Assim, lembrando que \(2 \mbox{Re}(\vec{x}_k) = \vec{x}_k + \bar{\vec{x}_k}\) e \(2 \mbox{Im}(\vec{x}_k) = -i\vec{x}_k + i \bar{\vec{x}_k}\text{,}\) temos
Desse modo, se \(\vec{u} = a \mbox{Re}(\vec{x}_k) + b \mbox{Im}(\vec{x}_k)\text{,}\) com \(a,b\) reais, temos:
e é possível escrever um bloco \(2 \times 2\) na diagonal da forma:
de modo que autovalores complexos indicam a rotações no plano definido por \(\mbox{Re}(\vec{x}_k)\) e \(\mbox{Im}(\vec{x}_k)\text{.}\) Deixamos ao leitor a verificação do fato que \(\mbox{Re}(\vec{x}_k)\) e \(\mbox{Im}(\vec{x}_k)\) são linearmente independentes.
Example 9.16.
Para mais informações sobre esse processo, ver Forma de Jordan 2 .
wikipedia.org
Subsection 9.3 Aplicações: sistemas de EDOs lineares de primeira ordem.
As leis que descrevem muitos processos na natureza são dadas por equações diferenciais. Por exemplo, vamos considerar a radioatividade. Suponha que uma amostra de material contém \(y_0\) átomos radioativos. É natural pensar que o número de átomos, \(y(t)\text{,}\) que decai a cada segundo é proporcional ao número de átomos que ainda não decairam. Em linguagem matemática, isso significa que:
Um problema assim é chamado de uma equação diferencial ordinária e sua solução é \(y(t) = y_0 e^{\lambda t}\text{.}\)
Em outros problemas pode-se ter múltiplas funções simultaneamente.
Example 9.17.
Example 9.18.
Consideremos o sistema de equações diferenciais (com condições iniciais associadas):
que pose ser escrito na forma
Se a matriz A tem \(n\) autovalores reais, \(\lambda_1, \ldots, \lambda_n\text{,}\)(não necessariamente distintos) e a eles estão associados \(\text{}\) autovetores LI, \(\vec{x}_1, \ldots, \vec{x}_n\text{,}\) então a solução do sistema de EDOs é
Checkpoint 9.19.
Se os autovalores são complexos, eles sempre vêm em pares conjugados \(\lambda, \bar{\lambda}\text{,}\) com autovetores \(\vec{x}\) e \(\bar{\vec{x}}\text{.}\) Nesse caso, substituímos os autovetores associados a \(\lambda, \bar{\lambda}\) por \(Re(\lambda \vec{x})\) e \(Im(\lambda \vec{x})\) usando a fórmula de Euler \(e^{(a+ib)t} = e^a \mbox{cos}(bt) + i e^a \mbox{sen}(bt)\text{.}\)
Checkpoint 9.20.
Subsection 9.4 Aplicações: sistemas de EDOs lineares de segunda ordem.
As leis que descrevem muitos processos na natureza são dadas por equações diferenciais. Muitas vezes essas leis envolvem derivadas de segunda ordem. Por exemplo a segunda lei de Newton, \(F = m a\text{,}\) ao lembrarmos que a aceleração é a taxa de variação da velocidade e a velocidade é a taxa de variação da posição: \(F = ma = mv' = mx''\text{.}\) Vejamos como resolver uma EDO linear de segunda ordem num exemplo.
Example 9.21.
Example 9.22.
Podemos ter um sistema de equações lineares de segunda ordem.
Example 9.23.
Consideremos o sistema de equações diferenciais (com condições iniciais associadas), escrito na forma matricial, denotando \(\vec{y} = (y_1, y_2, \ldots, y_n)^T\text{,}\) como:
Podemos definir as variáveis \(y_{n+1} = y_1', y_{n+2} =y_2', \ldots, y_{2n} = y_n'\) e, denotando, \(\vec{y}_1 = \vec{y} = (y_1, y_2, \ldots, y_n)^T\) e \(\vec{y}_2 = (y_{n+1}, y_{n+2}, \ldots, y_{2n})^T\text{,}\) temos o problema linear
Que pode ser resolvido pelo método de autovalores e autovetores.
Checkpoint 9.24.
Resolva o sistema de EDOs, com as condições dadas.